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QUEM PECOU NO NORDESTE?

“Rabi, quem pecou, este ou seus pais, para que nascesse cego? Respondeu Jesus: Nem ele pecou nem seus pais; mas foi para que nele se manifestem as obras de Deus” (João 9:2-3).

Não sou teólogo. Esse é o meu ponto de partida nesse texto. Nessas linhas, portanto, simplesmente faço vomitar os enjôos do meu coração. Não considero que minhas golfadas sejam ensejos teológicos. Simplesmente, meu coração pesa e amarga quando vê as imagens das violentas enchentes que afligiram Alagoas e Pernambuco nos últimos dias. Foram mais de 40 mortos, ainda dezenas de desaparecidos, e dezenas de milhares de desabrigados. Caos. Inferno na Terra. Haiti no Brasil.

Quando comecei minha peregrinação no Haiti, em Janeiro de 2010, uma pergunta teológica me motivou a ir até lá. Seria o terremoto um castigo pelo pecado relacionado às práticas do vodu? Eu sabia que não, e para mim fazia pouco sentido permanecer em casa, confortavelmente indagando a teologia do problema, privando-me de prestar algum auxílio coerente com o evangelho de Jesus de Nazaré. Por isso parti.

Mas se houve alguma pretensão minha em encerrar com trabalho as baboseiras dessa teologia do castigo, confesso que falhei. A série de bobagens parecia não ter fim. Com o terremoto no Chile, ocorrido em março, disseram que Deus os tinha castigado em função de sua arrogância financeira, já que os nossos quase vizinhos eram vistos como a economia mais sólida da América do Sul. Em seguida, com a tragédia no morro do Bumba e as chuvas do Rio de Janeiro, alguns outros disseram que o povo estava sendo punido por conta do carnaval.

Assim, considerando as catástrofes das últimas chuvas, a primeira questão que me vem à mente agora: Qual será a causa da punição do Nordeste? O que foi que eles fizeram de errado? O que os teólogos de plantão terão para tirar da cartola nesse momento? Que foi que o nordestino fez?

Não será a causa do desastre a suposta idolatria quanto ao Padre Cícero? Ou não serão as festas populares, nessa época de São João? Ainda, não será porventura o sonho geral de se fazer uma vida no sudeste, abandonando a terra natal? Enfim, quem foi que pecou no Nordeste para que merecessem esse mal?

Volto a repetir: não sou teólogo. Mas o texto bíblico citado acima, que narra o encontro de Jesus com o cego de Jericó, o qual hoje li em minha devocional pessoal, me fornece algumas das respostas que minha alma demanda. Algumas respostas, somente algumas. Em muitas de suas crises minha alma continuará sem resposta.

Primeiro, a doutrina da graça não provê espaço para qualquer teologia de causa e efeito. As coisas boas não acontecem como pagamento pela boa conduta, e as coisas ruins nem sempre são castigo por um mau comportamento. Em outras palavras, coisas boas acontecem a pessoas ruins, e tragédias atingem pessoas boas. É por isso que Jesus afirma, sobre o cego de Jericó, que ele não nascera cego por castigo ao pecado de alguém.

Lamentações é um livro esclarecedor. O profeta, homem fiel a Deus e santo em seus procedimentos e escolhas, lamenta o estado da Jerusalém desolada. Num determinado momento, ele entra em crise: pessoas ruins prosperavam, pessoas boas seguiam desabrigadas e oprimidas pelos da Babilônia (v.5). A tragédia leva-nos mesmo a esse tipo de crise de fé, de matematização do mérito. Mas a Bíblia não defende isso. Pelo contrário, a Escritura é o livro do favor imerecido. Desde seu início, trata da história do homem que escolheu cair em pecado, merecendo desde o início o caos, mas que teve suas dívidas pagas na cruz.

Em segundo lugar, o texto do cego de Jericó me ensina que Deus tem uma intenção gloriosa a partir da tragédia. Os discípulos de Jesus fazem uma pergunta referente à causa – “quem pecou?”. Jesus responde com base no propósito – “para que”.

Mas é bem verdade que pode parecer hipócrita dizer que Deus tinha um plano com a devastação do Haiti. Deus não pode ter tido um plano com aquilo. Eu vi, eu estava lá em janeiro. Abrir-se-ia aqui um espaço para uma das questões teológicas mais polêmicas e complexas dos últimos tempos, a saber, o problema do teísmo aberto. No entanto, como já afirmei, não sou teólogo.

Prefiro afirmar que, independente de quem o tenha efetuado, Deus cria uma oportunidade a partir do caos. Para mim é menos importante descobrir o pai da criança do que projetar a esperança que há na criança. Não sei se parece irresponsável, mas penso que vislumbrar esperança na catástrofe é ligeiramente mais proveitoso do que determinar sua origem. Não importa quem tenha feito, importa o que vai resultar.

Quanto ao cego, Jesus afirma que sua limitação visava a glória de Deus. A catástrofe, por si só, não manifesta a glória de Deus. Deus não é glorificado quando uma criança é furtivamente morta enquanto dormia, pelas águas devastadoras de uma enchente. Tampouco, a glória de Deus não é necessariamente expressa quando um teólogo desvenda as origens do sofrimento. Mas a glória de Deus está na unidade do Corpo de Cristo diante da limitação do corpo humano; a glória de Deus está no cumprimento da missão da igreja de Cristo; a glória de Deus está na salvação buscada pelo ímpio, por aquele que não buscava enquanto não via o caos. É polêmico afirmar que Deus tenha causado a catástrofe. Mas parece pacífico afirmar que Ele saiba como ninguém utilizar-se do desastre para criar um novo projeto de esperança. Ele recicla o caos.

Outra vez afirmo: não tenho intenções teológicas aqui. Mas esboço, por essas linhas, meu sentimento de que quero ver a glória de Deus se manifestar através da minha vida, nesses contextos de tribulação. Quero ser luz. Quero ser um barco na enchente. Isso me basta.

Mário Freitas é um doido que mora em BH e coordena trabalhos voluntários no Haiti.

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NOVA OPORTUNIDADE DE DOAÇÃO

MATERIAIS MÉDICO-HOSPITALARES

Para o mesmo período de 15-22 de Junho, nossos médicos precisarão de alguns equipamentos/materiais específicos. Precisamos que sejam doados para que possamos deixá-los em Porto Príncipe. Segue abaixo:

Termômetros digitais
Estetoscópios (mín 2)
Aparelhos de pressão (mín 2)
Otoscopios
Baixadores de língua

Para ajudar, contate-nos via maisnomundo@gmail.com ou pelo telefone 31-9399-2020 (Jônatas Portugal)

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NOSSAS NECESSIDADES IMEDIATAS

Entre 15 e 22 de Junho, a missão M.A.I.S. terá uma equipe logística na região de Port-au-Prince e uma equipe médica na região de Bainet, Sudoeste do Haiti. A região, pobre e remota, foi bastante afetada pelo terremoto.

Seguem abaixo orientações práticas de como você pode ajudar financeiramente. A lista detalhada e atualizada d0s medicamentos necessários aparece em seguida.
Para falar diretamente conosco, utilize o telefone (31) 9399-2020 (Jônatas Portugal) ou o e-mail maisnomundo@gmail.com.
Um abraço fraterno,
Pr. Mário Freitas

NECESSIDADES GERAIS URGENTES

1. Precisamos de aproximadamente US$ 3 mil para construir uma estrutura de reuniões com madeira e telhados para a Eglise de La Bonne Nouvelle, em Delmas (Pr. Vijonet Demero);

2. Ainda, usaremos aproximadamente US$ 3 mil para instalação de água potável na região de Port-au-Prince – distribuímos caixas d’água em todas as igrejas, ganhamos CLORIN suficiente para alguns meses, e ainda nos deram filtros elétricos que servirão algumas comunidades. Em alguns casos, porém, trabalharemos na instalação de sistemas para captação de água de chuva.

3. Precisamos de passagens aéreas para uma médica e um obreiro da M.A.I.S., os quais não têm toda a disponibilidade dos recursos (US$ 750 cada passagem).

LISTA ATUALIZADA DE MEDICAMENTOS

ANALGÉSICOS / ANTITÉRMICOS :

Dipirona solução
Dipirona 500 mg cp
Paracetamol gts

Paracetamo 500 mg cp

(evitar AAS)

ANTIHIPERTENSIVOS:

Atenolol 50 mg (seria melhor a associação atenolol + clortalidona cp de 50 mg + 12,5 mg)

Captopril 25 mg

Enalapril  10 mg

Losartan  25 mg

Metoprolol 100 mg

Hidroclorotiazida 25 mg (melhor seria a associação Hidroclorotiazida 50 + Amilorida 5 mg)
ANTIBIÓTICOS

Metronidazol  500mg cp

Metronidazol solução oral
Penicilina benzatina  1.200.000 UI /  ampola
Amoxicilina 500mg cp

Sulfametoxazol + Trimetoprima  200 mg + 40 mg/5 ml (suspensão oral)

Sulfametoxazol + Trimetoprima  400 mg + 80 mg cp

ANTIBIÓTICOS TÓPICOS

Sulfato de Neomicina 5 mg + Bacitracina 250 U.I (nebacetin)
ANTIMICÓTICOS

Nistatina – creme
Miconazol – creme
Cetoconazol – creme

ANTIINFLAMATÓRIOS

Cetoprofeno cp e solução
Ibuprofeno  cp e solução

Diclofenaco sódico 50 mg cp

Diclofenaco gts

Nimesulida 100 mg cp

CORTICÓIDES

Dexametasona – pomada
Betametasona – pomada
Dexclorfeniramina  2mg cp e 2mg/5ml solução

ANTIDIARRÊICOS

Loperamida 2 mg  (adultos e crianças acima de 5 anos)

Floratil

ANTI-HELMÍNTICOS (verminoses)

Mebendazol  100mg cp e solução  (100mg/5ml solução oral)

Albendazol cp e suspensão oral

CREMES VAGINAIS

Tioconazol + Tinidazol

Nistatina

Tetraciclina + Anfotericina B

GERAIS

Omeprazol/pantoprazol  20mg (gastrite)
Soro de reidratação oral
Descongex  solução pediátrica (ou similar)
Benzoato de Benzila sabonete / solução
Cloranfenicol + Cloridrato de lidocaína gst otológicas (remédio para ouvido)

Dropropizina xarope adulto e pediátrico  (xarope para tosses em geral)

Complexo B cps e suspensão oral

Sulfato ferroso cps e suspensão oral

Complexo vitamínico  cps

Vitamina C cps 500 mg e solução oral

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CAMPANHA DO AGASALHO – PARTICIPE!

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O HAITI CEM DIAS DEPOIS…

Voltei a Porto Príncipe entre 20 e 27 de abril. Portanto, estava lá quando completaram-se cem dias desde a catástrofe de 12 de janeiro. Vi paradoxos. E são esses paradoxos que deverão delinear os passos da igreja internacional acerca da igreja haitiana daqui por diante.

Paradoxo 1º: Há comida, mas não há dinheiro

Nas duas vezes anteriores em que nos propusemos a ajudar as igrejas haitianas, compramos alimentos na República Dominicana e trouxemos em caminhões. Ainda em Janeiro, não se encontrava alimento no país. Em março já havia, mas os preços eram proibitivos. Agora já não compensa buscar em outro lugar.

A cesta básica no Haiti não deve ser nem de longe uma das mais baratas do mundo. Mas seria viável, se estivéssemos falando de uma economia sólida. A oferta de alimentos, porém, diz respeito ao novo perfil populacional baseado em ONGs internacionais. Curiosamente, os supermercados estão reabrindo e o fornecimento existe, para alimentar quem supostamente vai servir a nação.

O povo, porém, continua sem trabalho – a maior parte dos comércios ruiu, bem como as instituições educacionais e os prédios públicos. Não há sustento. A necessidade ainda é praticamente a mesma, e os projetos humanitários mais eficazes no Haiti serão aqueles que vislumbrarem fornecer empregos e desenvolver sustentabilidade.

Paradoxo 2º: Há esforço massivo pela limpeza e reconstrução; os avanços, porém, foram pequenos

Não é possível quantificar os escombros resultantes da tragédia de janeiro sem ver pessoalmente o local. É muita pedra. Não se mede por fotografia ou filmagem. Especialistas falavam em um ano de esforço ininterrupto para limpar a capital. Já se vão quase quatro meses, e talvez 10% de Porto Príncipe já possa pensar em receber novas obras. Sem contar os arredores, onde os escombros sequer devem ser retirados. Nas periferias, ainda há corpos sob os prédios.

Paradoxo 3º: As ONGs estão lá, mas o trabalho é confuso

Há muito interesse em torno do Haiti. Os vôos que chegam à capital trazem grupos uniformizados representando entidades de várias nações. É fenomenal. Mas como o governo local é desestruturado (e isso, creia, é pré-catástrofe!), não há coordenação. As tropas da ONU que patrulham a cidade estão diminuindo: alguns países sentem que sua missão já está cumprida. Em várias regiões há grandes organizações trombando suas intenções humanitárias, enquanto outras permanecem sem qualquer ajuda.

Paradoxo 4º: Há lágrimas, mas há esperança

Por último, creio que esse seja o portal de entrada para a igreja de Cristo. Em nossas primeiras incursões, notamos uma reação estranha nos cristãos, por exemplo. Comentavam sobre seus finados parentes e amigos com naturalidade estranha; pareciam congelados pelo impacto, mais preocupados em conservar a própria sobrevivência naquele momento de pânico.

Agora, vimos lágrimas. Sim, muitas lágrimas. As esposas de pastores choram, os pastores se deprimem, parece que a ficha começa a cair. Os estudiosos afirmam mesmo que leva-se de 60 a 90 dias para que uma tragédia coletiva comece a gerar os mais graves efeitos psicológicos.

Por outro lado, mesmo que em meio às lágrimas a igreja espera em Deus. Os pastores assumem que somente a igreja de Cristo será capaz de transformar o Haiti de forma eficaz, a partir de novas bases. A igreja sonha em curar, em educar, em alimentar. As comunidades cristãs têm sido a embaixada da esperança, o lugar de refúgio daqueles que nada têm. E essa esperança, o Deus da graça sempre vai ofertar.

Mário Freitas é pastor, missiólogo e coordena trabalhos humanitários junto à igreja haitiana desde Janeiro de 2010.

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EVENTO PRÓ-HAITI

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SIMULTANEIDADE NA MISSÃO

“Devíeis, pois, fazer essas sem omitir aquelas” (Mateus 23:23).

 

            Fui grandemente incomodado por algo essa semana. Fui procurado por um amigo, líder eclesiástico, que queria informações acerca de como ajudar o Haiti através de nosso projeto. Queria dados bancários, fatos e fotos para divulgação. De repente, peguei-me desencorajando aquele amigo a compartilhar em sua igreja sobre nosso ministério. Ele não podia falar em Haiti, e por um motivo simples: ele mora em Niterói, Rio de Janeiro, onde ocorreu uma das maiores catástrofes da história do Brasil, e isso há poucos dias.

            Meu objetivo foi protegê-lo. Que diria sua igreja, por exemplo, ao notá-lo pleiteando pela causa haitiana, num momento em que sua própria cidade carecia tanto? Quem o conhece sabe que ele já estava bastante envolvido com o socorro local, mas… não haveria como envolver-se ainda mais? – alguém criticaria. Portanto, preferi contar com auxílios de outros líderes, residentes em outras cidades.

            Depois do episódio, no entanto, pus-me a pensar. A igreja de Niterói é mais responsável por Niterói do que as outras igrejas do Brasil? E de quem será a responsabilidade pelo Haiti, já que trata-se de uma igreja pobre e sem forças autônomas para recompor-se nesse momento pós-tragédia? Onde a missão da igreja local deve ser prioritariamente executada? Creio que a resposta esteja numa palavra não presente na Bíblia, mas que esboça um conceito totalmente bíblico: SIMULTANEIDADE. Alguns pensamentos se seguem.

            1. O caminho da espiritualidade demanda que se atente para vários exercícios simultâneos Eis o desafio de Jesus aos fariseus que eram supostamente fiéis na contribuição financeira, mas que desprezavam a comunhão, a humildade, entre outros frutos. Na vida com Deus, precisamos buscar equilíbrio nas ações. Como igreja, nossas prioridades precisam envolver simultaneamente as missões transculturais, a evangelização local, a adoração, a edificação, a comunhão, entre outros. Se uma igreja só investir numa dessas áreas, ela será uma igreja sem equilíbrio, e conseqüentemente pouco saudável.

            2. A tarefa missionária da igreja demanda simultaneidade geográfica – Atos 1:8 é o fundamento: “Mas recebereis poder ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas TANTO EM Jerusalém, COMO EM toda a Judéia e Samaria, E ATÉ aos confins da Terra”. A idéia não é progressiva ou seqüencial, é simultânea. Jesus não sugere que se termine uma tarefa e que se vá alastrando para um espaço maior. Ele ordena que a missão seja simultaneamente cumprida em todos os lugares.

Já ouvi líderes desafiando suas igrejas a alcançarem seus bairros. É preciso. É imprescindível. Mas os confins da Terra também são de responsabilidade da igreja local. Quando me questionam acerca da veracidade do meu chamado para a China, considerando a inquestionável necessidade do próprio Brasil, costumo referir-me a Ashbel Green Simonton. O fundador da Igreja Presbiteriana do Brasil seguiu o chamado de Deus, por entender a simultaneidade da missão da igreja. Em sua época, muito havia a ser feito em seu próprio país.

            3. Deus tem dado à igreja brasileira condições de trabalhar simultaneamente em várias frentes – É fascinante observar o mover missionário entre as tantas igrejas do Brasil. Por um tempo, missionários tiveram de “mendigar” o apoio de suas igrejas para cumprir sua missão no mundo. Fui um desses. Mas creio que, embora ainda estejamos muito distantes do ideal, a igreja brasileira tenha progredido em sua visão missionária. Definitivamente, isso inclui o investimento financeiro. Não tenho acesso aos dados estatísticos, mas imagino que muito mais seja investido nos dias de hoje do que dez anos atrás.

Ainda assim, noto que somos levados por ondas. Ou ventos. Percebo que estamos onde a mídia alarma, uns intencionando algum marketing pessoal ou eclesiástico, outros com sinceridade inquestionável. Mas somos ainda emocionais e um tanto adolescentes em nossa forma de fazer missões. Nossos esforços já são muito menores no Haiti, quase nulos no Chile, e em poucos dias devem estar minimizados no Rio de Janeiro. E de catástrofe em catástrofe, de moda em moda, de onda em onda, vamos cumprindo o que cremos ser a Grande Comissão.

            A verdade é que, com grande omissão, vamos abandonando os postos onde a missão ainda deveria ser focada. Conforme o comissionamento de Jesus aos setenta discípulos, não andemos a mudar de casa em casa (Lucas 10:8). Que o Deus da missão tenha misericórdia de nós!

 
Mário Freitas é pastor, missiólogo e doido varrido. Atua no Haiti com pequenos projetos missionários. Muito pequenos. Casado com Giovana e pai de Pietra.

           

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TRANSFORMANDO CALAMIDADE EM OPORTUNIDADE


“Mudaste o meu pranto em dança, a minha veste de lamento em veste de alegria” (Sl.30:11).

Estamos vivendo dias de calamidade. É assustadora a seqüência de fatos catastróficos que têm acometido o mundo, e por último, o Rio de Janeiro. São milhares de pessoas consumidas por terremotos, tsunamis, enchentes e deslizamentos, tudo num espaço aproximado de três meses. Alguns podem pensar que o fim está próximo.

Na verdade, desde a Bíblia há inúmeras referências acerca do tempo do fim. Algumas dessas referências parecem considerar que o início do fim já era ali, no próprio período bíblico. As evidências sempre estiveram aí, e creio que, de alguma maneira, Deus se comunica com os homens através de incidentes e acidentes naturais. Mas na mesma medida que Deus se comunica com o homem a todo tempo, e através de tudo o que acontece. Deus jamais parou de falar.

No entanto, mais importante que compreender a natureza da catástrofe é extrair dela lições transformadoras para a nossa vida e para nossa caminhada como igreja. Os caracteres chineses comunicam muito, e geralmente são formados de subcaracteres. A palavra crise, em chinês, combina dois conceitos, a saber: abismo e oportunidade. Podemos fazer da calamidade aquilo que quisermos – consiste numa decisão.

A calamidade é um momento propício e nobre para revermos nossa teologia. Na catástrofe, aquilo em que cremos é confrontado. Tragédia é tempo de repensarmos nossa linha de pensamento e a visão que temos acerca de Deus e do sagrado. Por vezes, sentimo-nos seguros demais na religião, e as grandes devastações são maneiras que Deus encontra de nos dizer, outra vez, que somos pó. Precisamos dele. Não há nada em nós que nos faça maiores que aqueles que morrem soterrados. Necessitamos dEle mais do que do ar que respiramos.

Portanto, a devastação pode servir de revelação. Na tragédia, podemos adentrar novamente os átrios da graça. É através das turbulências que Deus nos comunica o conceito mais central e original de toda a teologia e transcendência – a idéia de que Ele já fez tudo, e de que não há nada que precisemos ou possamos fazer. Nossa vida é nada, e como verdadeiros “nada cósmicos” precisamos prosseguir. Nosso orgulho e auto-suficiência são confrontados em tempos de calamidade.

Ainda, a catástrofe é uma oportunidade para averiguarmos como estão nossas prioridades espirituais, como está nossa vida pessoal com Deus. É tempo de avaliarmos no que é que temos investido. Quando poupados da calamidade, temos a chance de voltar ao Senhor. Vimos isso no Haiti. Presenciamos testemunhos de pessoas que afirmaram ter sido o terremoto um presente de Deus, visto que através do pânico elas viram Jesus. Milhares se converteram em função da tragédia. Oramos para que o mesmo ocorra no Rio de Janeiro.

Por último, considero que, na catástrofe, eu tenha uma oportunidade verídica para avaliar se minha vida é ou não frutífera diante de Deus. Tenho vivido como Ele me criou para viver? Tenho servido tanto quanto Ele me chamou para servir? Com o que tenho me comprometido?

A igreja tem uma tarefa inquestionável em tempos de grande tribulação. Pastores haitianos têm sido constantemente procurados em busca de respostas. No Rio, igrejas servem de abrigo. Para a glória de Deus, a calamidade torna-se em oportunidade de produzirmos, de sermos frutíferos.

Precisamos de gente comprometida nessa hora. Nossas prioridades precisam ser revistas. O tempo que investimos discutindo os “por quês” teológicos da catástrofe podem ser determinantes na alimentação de uma criança desnutrida, ou na devolução da dignidade de uma família desabrigada. Precisamos, portanto, rever a natureza do nosso comprometimento, e a tragédia pode ser nossa grande chance para tal. Estamos comprometidos com o que? Com a manutenção da “sã doutrina”? Quanto tempo perdemos “defendendo Deus”? Deus precisa mesmo de advogados? Ou nosso chamado é para manifestar o Reino?

Na tragédia, repensamos nossa efetividade, a eficácia do nosso comprometimento. Nossa forma de ser igreja, de cultuar, de programar, de agendar, é efetiva na hora da calamidade? É com humildade que precisamos fazer tal exercício.

Um texto bíblico esclarecedor nesse sentido é o de Lucas 13:1-9. Naquela ocasião, Jesus é questionado acerca de uma tragédia. Pilatos mandara misturar o sangue de alguns idólatras galileus com o produto de seu próprio sacrifício. Jesus afirma que tais pessoas não eram mais pecadoras do que as que não morrem assim. E convida aqueles “teólogos de plantão”, “caçadores de respostas”, ao arrependimento.

Em seguida, o próprio Cristo menciona outro ocorrido – a torre de Siloé, ao cair, dizimara 18 pessoas. Trágico. Mas Ele afirma que todos morreriam de maneira calamitosa, se não se acertassem com Deus. É enfático que há calamidade mais calamitosa que a tragédia ou os acidentes: a morte sem Deus!

Por último, Cristo relaciona a calamidade com a vida infrutífera. Ele conta a parábola da figueira que não produz, que ocupa espaço na terra e que merece ser cortada. O lavrador intercede, pedindo que mais um ano lhe seja concedido. Ele se propõe a adubar e cuidar da árvore, para que esta possa produzir. E esse prazo é dilatado; a oportunidade é concedida.

Na tragédia, Deus concede nova chance de frutificarmos. A calamidade é tempo da igreja dobrar-se diante de Deus e questionar honestamente onde e como temos investido nossas vidas e caminhos. Certamente, Ele haverá de adubar-nos e preparar-nos para um novo projeto.

Em tempos de pânico, Deus está. A calamidade é inevitável – Ele disse que teríamos aflições (João 16:33). Mas Ele também disse que estaria conosco todos os dias, incluindo os dias mais trágicos (Mateus 28:20). Tornemos, pois, a calamidade em uma nobre chance de rever conceitos, prioridades e valores. Que Deus tenha misericórdia de nós!

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REVISITANDO O HAITI

10 EQUÍVOCOS VIGENTES SOBRE O TERREMOTO, A CONDIÇÃO DO PAÍS E O ENVOLVIMENTO DA IGREJA BRASILEIRA


Muitos têm acompanhado minhas idas e vindas ao Haiti desde Janeiro deste ano, logo após o terremoto que dizimou, segundo a mídia, o número aproximado de 230 mil mortos. Milhares de casas caíram, e mais de 2 milhões de pessoas preenchem os registros dos desabrigados.

Eu nunca tinha ido ao Haiti antes da catástrofe. Meu coração pesa por isso. Sempre fui envolvido na obra de apoio à igreja sofredora, de algum modo. Morei na China e percorri o Oriente Médio. Mas nunca tinha atentado para a realidade de um país tão pobre e sofrido, e Deus precisou se utilizar de uma catástrofe para abrir meus olhos. Portanto, não me considero um expert nos assuntos referentes ao Haiti. Fui lá duas vezes, e pretendo estabelecer outras incursões durante este ano de 2010. Criamos a M.A.I.S. (Missão em Apoio à Igreja Sofredora), visando catalisar recursos para ajudar as igrejas do país. Ainda assim, humildemente, declaro não ser um especialista.

Porém, tenho estado indignado com a postura de algumas pessoas, instituições e principalmente dos meios de comunicação acerca do Haiti pós-terremoto. Não sou especialista, repito. Mas estou vendo. Tenho ido, levando grupos para distribuição de alimento, atendimento médico, instalação de água potável e encorajamento de pastores e igrejas. Essas entradas me permitem ver uma realidade que não condiz com a reação que tenho presenciado. O assunto esfriou. Age-se como se o problema já não estivesse mais lá. E o problema pode estar apenas começando.

Portanto, esse artigo visa denunciar algumas das coisas que notoacerca da real condição do país caribenho. A necessidade de envolvimento da igreja brasileira ainda é total. Se assimilarmos as distorções da mídia acerca da situação, não agiremos adequadamente perante o problema. Portanto seguem algumas das inverdades que tenho notado, ouvido e lido acerca do Haiti e sua situação após o desastre. Algumas dessas constatações são de ordem logística, organizacional ou mesmo estatística. Outros equívocos que delibero aqui são referentes às necessidades de auxílio. Por último, estabeleço uma breve consideração bíblico-teológica. Todos os pontos que se seguem, afirmo, são fruto da minha opinião considerando meu limitado conhecimento do país, minha caminhada como pastor-missionário e minha leitura dos fatos. Não são, portanto, normativos e podem ser debatidos.

Equívocos acerca da Logística e da Estrutura

1) “foram 230 mil mortos na catástrofe”

Os haitianos não têm informações sólidas acerca do número de mortos. Perguntei a um professor universitário quantos haitianos tinham morrido em 12 de Janeiro, ao que ele respondeu: “Uns 30 mil”. Um psiquiatra me falou em mais de 500 mil. Na verdade, há dois problemas: o acesso à informação e o procedimento de contagem.

Não há mídia disponível, não há eletricidade, os prédios de edição de jornais e revistas também foram derribados. O governo pouco funciona, e não parece ter interesse em preocupar-se com o número exato de mortos. Quem tem feito a contagem, em geral, é o exército americano. Na maioria dos prédios no centro de Porto Príncipe, há um círculo enorme no chão, feito a giz, constando do número de pessoas que havia dentro de cada prédio, quantas morreram e quantas ficaram feridas. Os escombros ainda estão lá, portanto pode haver mais corpos. Quem assina por esses círculos são os militares americanos, e eles efetuaram essa contagem somente em Porto Príncipe.

Cidades da grande Porto Príncipe, como Delmas, Tabarre, Carrefour, entre outras, foram tão afetadas quanto a capital. Mas a contagem não chegou até lá (nem as ajudas, como mencionarei adiante).

Preguei em uma igreja a 10 quilômetros de Porto Príncipe, que reúne hoje aproximadamente 1500 pessoas no meio da rua. A reunião ocorre em frente ao seu templo, que caiu. O pastor levou-me aos escombros do prédio logo após o culto, e da porta pude ver o estrago. Os blocos de concreto eram enormes. Perguntei se alguém tinha morrido, ele me disse que havia uma reunião na hora do terremoto. Perguntei o número de mortos. Ele replicou: “Seis pessoas foram vistas entrando. Mas na reunião deveria haver aproximadamente 50 pessoas. Algumas dessas estão vivas, e testemunham que se atrasaram para a reunião. Portanto, estimamos entre 10 e 30 corpos embaixo desses escombros”. Quantos outros prédios, principalmente fora da capital, possuem corpos não contados?

2) “Não há mais tremores”

Há tremores quase todos os dias, desde a catástrofe. Não tenho a formação técnica acerca de catástrofes e acidentes geológicos, mas tenho ouvido ser esse um fenômeno normal. Nos primeiros sete dias após 12 de Janeiro, houve aproximadamente 50 réplicas (aftershocks). Note que muitas estruturas não caíram, mas ficaram comprometidas, e caem com esses tremores menores.

Por isso, muitos não têm voltado para suas casas. Há prédios comerciais que não estão sendo usados, apesar de não terem ruído. Outros são usados como depósito, mas as mercadorias são expostas para venda no meio da rua. Ninguém sente segurança nos ambientes fechados e entre paredes.

O país é um grande assentamento, são barracas de todos os tipos e por todos os lados. Delmas 48, o maior camp que visitei, possui 62 mil barracas – número estimado de 170 mil moradores. Muitos deles ainda têm suas casas, mas por causa de algumas rachaduras não sentem segurança para voltar. Moram favelizados no acampamento, sem banheiro, sem água, sem estrutura. Não o fariam se os tremores tivessem encerrado.

3) “Porto Príncipe foi o epicentro da calamidade”

Embora seja difícil comparar o Haiti com o Brasil em qualquer escala, uma pequena ilustração aqui pode ser útil. Se um terremoto de proporções semelhantes tivesse atingido uma cidadezinha a 60 quilômetros de São Paulo capital, o mundo nem ouviria o nome da cidade foco. São Paulo seria o assunto. Por mais que se tratasse de um foco secundário, é lá que moram milhões de pessoas, lá estão grandes construções, portanto lá uma catástrofe nesses moldes se faria sentir. Já na cidadezinha, provavelmente não haveria grandes prédios, nem grande densidade demográfica. Seria trágico, mas não tanto quanto na capital.

Outras cidades foram mais afetadas pelo terremoto que a capital Porto Príncipe. A maioria dessas está a oeste da capital – Leogane, Petit Goave, entre outras. O que havia de alvenaria caiu. Mas as construções já eram precárias, as casas pequenas, e os habitantes eram poucos. São cidades interioranas. Houve menos mortes. Mas foi nessas áreas que vi o asfalto aberto, como naqueles filmes apocalípticos.

Essas cidades já eram pobres, como todo o Haiti. Mas o acesso dessas regiões a água e comida, por exemplo, sempre foi mais restrito. Agora, esse acesso simplesmente não existe. Toda a ajuda se concentrou onde a população maior se encontra, até com certa lógica. Mas esses locais também devastados, e já anteriormente privados, foram simplesmente descartados. A geografia das ajudas internacionais precisa ser revista.

4) “As ajudas internacionais estão sendo recebidas e bem administradas pelo governo haitiano”

Essa frase acima é de um embaixador haitiano. Bem, quando cheguei ao Haiti, perguntei a um dos líderes das igrejas locais como estava sendo administrada a ajuda brasileira. Trata-se de um professor universitário, líder influente entre os cristãos locais, e ele nem tinha ouvido falar nisso. Quando eu falei em US$ 15 milhões, total divulgado em 23/01 pelo ministro Celso Amorim, ele riu, e disparou: “A América deve ter dado mais que isso. Mas não veremos esse dinheiro nunca. Esse investimento é para a movimentação dos próprios 20 mil soldados que eles trouxeram dos Estados Unidos. Esses soldados jogam alimentos sobre a população sem qualquer humanidade, tratam-nos como porcos. Fazem as mulheres carregarem sacas de 60 kg de açúcar, sem permitir que os homens se aproximem dos caminhões de distribuição. O dinheiro mesmo, a população não vê. E se for mesmo repassado ao governo Haitiano, vai sumir na corrupção”.

Não é coerente que haja um investimento tão alto sem um plano de ação. As tropas brasileiras têm executado um trabalho positivo no país, e muito anterior à catástrofe. Gozam de uma reputação favorável entre os haitianos. Mas os militares tupiniquins não têm qualquer envolvimento com essas proporções monetárias de auxílio, nem tampouco acreditam que o recurso será utilizado em prol do povo haitiano.

A verdade, portanto, é que desse dinheiro ninguém sabe. Essa ajuda, ninguém vê.

Equívocos Referentes às Necessidades de Auxílio

5) “É fácil ajudar, o país está aberto e as ajudas vêm de todos os lados”

Em nossa viagem de Janeiro, levamos aproximadamente 20 toneladas de alimento, além de ajuda em dinheiro para algumas igrejas haitianas. Foram investidos US$ 29.612, contribuições de várias igrejas do Brasil. E tudo foi tranqüilo mesmo, pela graça de Deus! Entramos pela República Dominicana, fretamos um micro-ônibus desde Santo Domingo, dois caminhões de alimento, e não fomos sequer incomodados na fronteira. A imprensa estava a todo vapor, as tropas da ONU supervisionavam as aduanas e toda ajuda era bem-vinda.

Agora, um mês depois (início de março), a história mudou. Nunca imaginei que pudéssemos ter tantos problemas. A corrupção por parte da polícia de fronteira, na República Dominicana, é grave. Tornou-se quase impossível atravessar sem subornar. O lado haitiano quer a ajuda, portanto coopera. O lado dominicano não parece ter nada a ver com isso.

A ajuda não vem de todos os lados. Pelo contrário – o inimigo mora ao lado. Várias ONGs estão antecipando sua saída da região por não tolerarem a corrupção de fronteira. A corrupção interna, embora velada, também existe. Os preços de frete de caminhão e aluguel de transporte tornaram-se proibitivos. Para ajudar, não somos ajudados. Na verdade, para prestar auxílio, é preciso comprar uma grande briga.

6) “A vida já normalizou”

Um amigo me contou de uma entrevista que ouviu na rádio CBN. Uma médica brasileira estava chegando do Haiti, e noticiava que a vida já está normal. Ela viu o comércio funcionar, viu todos trabalhando. A pobreza que ela constatou era aquela normal do país, sem relação com a catástrofe. Portanto, resolveu voltar, e nitidamente desencorajou grandes esforços na direção do Haiti de agora em diante.

Quando perguntada acerca da região onde estava, revelou: “Eu estava na área chamada Fond Parisien”. É uma região de fronteira, onde há um lago salubre, mas onde os tremores não causaram danos. É possível caminhar até a República Dominicana. Mas pela estrada, só se vê os estragos cerca de 40 quilômetros depois dessa região, na direção de Porto Príncipe.

A vida não normalizou. As pessoas não moram em suas casas, mesmo as que ficaram em pé. Os prédios de governo, prédios comerciais e quase todas as instituições de trabalho também ruíram. Vê-se pessoas perambulando. Num calor impraticável, o lugar mais movimentado durante as 24 horas do dia é o acampamento. É lá que as pessoas ficam, elas não têm outro lugar para ir. Assim, não está nada normal, e não deve normalizar por algum tempo.

7) “O país já está em processo de reconstrução”

Outro mito. Sempre me perguntam minha opinião acerca da possibilidade de reconstrução do Haiti. Tento me esquivar. Elucubrações não ajudam nessa hora. Mas se for para reconstruir, não vai ser agora. Isso é possível afirmar. Por uma razão simples: para que haja reconstrução, é preciso limpar os escombros. É assim na vida, e é assim num país pós-terremoto. E essa limpeza vai demorar muito tempo.

Alguns especialistas têm estimado que a limpeza haverá de demorar entre 12 e 18 meses. Eu concordo. Aliás, é uma perspectiva otimista. Já notei alguma limpeza entre o fim de janeiro e o início de março. Mas pouca. A quantidade de máquinas é pequena. Não há estrutura para que se trabalhe mais rápido que isso. Nunca vimos no Brasil uma catástrofe similar, portanto não se tem noção acerca do problema dos escombros. É muita pedra. E creia: estão trabalhando duro! Visitei Porto Príncipe (escoltado por polícia) nessa última viagem, após as 23 horas, plena noite de domingo. Vi a falta de energia elétrica, a prostituição, os perigos, os temores. Mas havia máquinas trabalhando. Apesar disso, a reconstrução demora. Se há dinheiro sendo arrecadado para reconstrução, penso honestamente que haja prioridades alimentares, por exemplo, as quais precisariam ser consideradas. Penso que a educação deveria ser um investimento anterior à reconstrução.

Vale dizer que o sistema de construção do Haiti era precário. Refiro-me à engenharia e ao material empregado. O terremoto foi assombroso; mas ficou provado que o Chile possuía construções mais resistentes. Na última viagem, instalamos caixas d’água com sistema potável em 30 igrejas. Usávamos os blocos dos próprios escombros para construir suportes de um metro de altura onde depositávamos os tanques. Constatamos que os blocos são de um material ruim: eles esfarelam! Não entendo disso, mas parece pouco cimento. Nossos blocos no Brasil são mais confiáveis. Para reconstruir, é preciso trabalhar até mesmo essas questões fundamentais.

8 ) “Há água potável”

Convidei uma pessoa especializada na questão da escavação de poços para me acompanhar em uma das viagens. Ele decidiu que vai comigo. Mas confessou que quase foi desencorajado por diretores de uma outra organização (muito séria, por sinal), que havia lhe dito que não há mais problema de água no Haiti, pois a distribuição de água potável tem sido suficiente.

Essa visão pode ser coerente com a situação da capital. As ajudas chegaram em massa a Porto Príncipe. Várias ONGs internacionais especializadas em fornecimento de água potável atenderam a região. Além disso, em Porto Príncipe custa 40 dólares uma quantidade de 15 mil galões de água não potável, mas limpa (mais de 50 mil litros), provenientes de caminhões-pipa. São estocadas em cisternas. Podem ser purificadas com as pílulas químicas que temos levado do Brasil, o que as torna potáveis.

No entanto, regiões como Petit Goave e Bainet já tinham dificuldade em ter acesso à água. Agora, toda a água doada ou comercializada concentra-se em Porto Príncipe, onde não há eletricidade para o abastecimento por bomba, por exemplo. Quem está fora da capital não tem água, ponto final. Dizer que o problema da água foi sanado indica que só se foi a Porto Príncipe.

9) “As ajudas já foram suficientes, as ONGs já cumpriram seu papel”

Creio que esse mito já tenha sido dissolvido nos pontos anteriores. Ainda assim insisto em pontuar: o problema maior começa agora. Com a saída da mídia, ficou claro que infelizmente muitas ONGs trabalham em contextos de catástrofe visando a auto-promoção. Saiu a TV, saíram as ajudas.

Não há monitoramento dos esforços, portanto alguns pólos foram muito assistidos, outros não foram lembrados. Organizações chegavam distribuindo comida, aleatoriamente, em locais que já haviam sido contemplados por distribuição de alimentos dois ou três dias antes. As pessoas colhiam as doações, mas dessa vez para comercializar. E áreas não contempladas continuavam sem assistência. Ainda é assim. Vi uma ONG distribuir garrafas d’água, quantidade colossal, num camp onde moram 2000 pessoas. Lindo! Só tinha um problema: já há um poço artesiano nesse camp! Os moradores têm acesso a uma qualidade de água melhor do que a que eu bebo no Brasil. Eles pegaram as doações para conservar a garrafa. Em outros camps, vimos pessoas bebendo água do esgoto.

Outro problema vigente diz respeito à segurança. As tropas da ONU também começam a afrouxar sua participação. Eis a razão pela qual a corrupção de fronteira acontece com naturalidade. No país, o trânsito está mais caótico, e o número de assaltos e seqüestros (a estrangeiros!) é alarmante. O policiamento está cessando. Os Estados Unidos já declararam, em nota oficial, que retiram do Haiti metade de sua força militar até o meio do ano.

O EQUÍVOCO TEOLÓGICO

10) “O terremoto do Haiti é um castigo divino em função de seu sincretismo religioso”

Por último, vejo que a igreja brasileira tem afrouxado as mãos no auxílio ao Haiti movida por um problema teológico ou doutrinário. Alguns crêem veementemente que Deus está castigando os haitianos por sua instabilidade espiritual, e mais diretamente pela religião vodu.

Não consigo concordar com isso. Considero-me muito mais um obreiro hiper-pragmático do que um pensador teológico, mas há elementos que vêm à minha mente toda vez que escuto alguma menção dessa teoria do castigo. Seguem alguns dos meus insights:

a. O Haiti está situado em região propensa a catástrofes e incidentes tropicais – A dimensão espiritual dos acontecimento não anula a lógica e a naturalidade dos fatos. Geograficamente, algumas das tragédias que têm ocorrido no Haiti ao longo dos anos são explicáveis. Sem contar que não há infra-estrutura, considerando a vulnerabilidade natural da região. O país está numa região tropical propensa a ventos, chuvas, enchentes e tremores, e não possui estruturação física compatível com isso.

Na mesma ilha está República Dominicana. O país é marcado por corrupção, conflitos políticos pesados na história recente, e por um catolicismo romano idólatra e enraizado – a igreja mais antiga das Américas está em Santo Domingo. A turma da “Batalha Espiritual” certamente veria potestades em cada esquina do país. Mas os prédios são robustos, construções semelhantes às de uma grande capital brasileira. Houve tremores fortíssimos em 12 de Janeiro – mas sem mortes.

b. Pessoas boas e pessoas ruins foram afetadas – No terremoto de 12 de Janeiro, morreram sacerdotes vodus, pastores evangélicos, padres católicos. Morreram prostitutas, professores universitários, mães de família. Morreram jovens, idosos, crianças. Gente de bem ficou presa; presidiários aproveitaram o incidente para fugir das celas.

Não deveria o castigo afetar somente bandidos e vodus?

c. A perspectiva punitiva da tragédia não é neo-testamentária – Sempre questionei qualquer divórcio abusivo entre a era da Lei e a era da Graça. Mas, de fato, no Antigo Testamento vemos a ira de Deus consumir povos, grupos, famílias, de maneira a modelar a atitude de uma nação. Na minha compreensão, esse castigo apontava para Cristo. Tudo isso é registrado para que fique claro que, mesmo mediante a punição que mereceríamos, fomos poupados pelo Cordeiro que foi morto.

Se Deus começar a punir com tragédia a desespiritualide do mundo, a Europa acaba. Se a feitiçaria for a razão da catástrofe do Haiti, por favor, esvaziem ainda hoje o estado da Bahia!

d. Um grande despertamento missionário ocorre no mundo – Desde que me preparava para ser pastor, nos anos 90, tenho envolvimento com a igreja sofredora. Passei 3 anos na China, filiado à JOCUM, e viajei regiões de perseguição religiosa no Golfo Pérsico e em outras partes do Oriente Médio, incluindo o Norte da África. Preguei e aprendi; dei e recebi. Em todas essas empreitadas, tive o apoio da igreja brasileira. Mas nunca num grau parecido com esse, nesses tempos de Haiti.

Pastores me telefonam de diversas partes do Brasil, querendo se envolver no projeto. Líderes dos quais eu só ouvia falar querem sentar e discutir como suas igrejas podem participar. Vários desses têm enviado alguns de seus líderes de confiança comigo nas viagens, para que suas comunidades se envolvam ainda mais. Alguns pastores com quem tenho trabalhado estão mais envolvidos que eu no projeto. Aleluia! Deus usou uma catátrofe para fazer um terremoto missionário no Brasil. O que levamos de ajuda até agora, mais de US$ 65 mil, é relevante! E temos mais, muito mais pra levar! Deus tem aberto portas, despertado gente. Fora as outras organizações e iniciativas. Glória a Deus!

Esse despertamento acontece nas igrejas americanas, canadenses, européias, coreanas. É grande a mobilização em torno do Haiti. Tem a ver com o apelo da mídia? Sim, sem dúvida. Mas esse tipo de ajuda está indo embora junto com as câmeras. Só quem ficou é quem está disposto a comprometer-se com a real e possível reconstrução do país. E as igrejas do mundo vão sendo juntamente reconstruídas.

e. Um avivamento sem precedentes ocorre no Haiti – O mais lindo de tudo, porém, é ver a reação da igreja haitiana. Não trabalho com a igreja sofredora porque eles precisam de mim. Quem precisa deles sou eu. Os testemunhos que ouvi no Haiti eu jamais teria acesso na igreja ocidental. Uma mulher disse: “A melhor coisa que me aconteceu foi o terremoto, pois agora eu conheci Jesus”. Ela perdeu familiares.

Edmond e sua família moravam na parte superior de um sobrado. Na parte de baixo moravam sua irmã, esposo e filhos. Com o terremoto, Edmond, sua mulher e as duas filhas caíram por cima da laje, compactando seus familiares na casa de baixo. Seis mortes. Edmond, sua esposa e suas filhas sobreviveram.

Em meio a tudo isso, ele registra: “Eu pensei que minha vida tinha acabado quando vi minha irmã e sobrinhos morrerem. Aí vocês vieram. Vocês, e gente do mundo todo. Deus mandou o terremoto para dizer à igreja do Haiti que não estamos sozinhos”.

A adoração dessas pessoas é ímpar. Eles verdadeiramente adentram a presença de Deus. O altar é a casa deles. A única que eles têm nessa hora.

CONCLUSÃO

O Haiti está lá. O problema continua. Na verdade, as coisas tendem a piorar com o esquecimento internacional. Que nós, como igreja brasileira, não caiamos nesse erro. Que Deus nos abençoe, limpe nossos escombros e reconstrua nossas vidas. Amém!

Mário Freitas é pastor, missiólogo e ex-missionário na China. Tem servido a igreja sofredora do Haiti desde 12 de Janeiro de 2010. Reside em Belo Horizonte, MG. Casado com Giovana, pai de Pietra.

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